14 de jun. de 2024
Ao mestre com carinho
- Vitório Zago
- 21 de abr. de 2009
- 6 min de leitura

Romildo Póvoa Faria, um dos mais importantes astrônomos do Brasil. Tem uma grande e íntima relação com o Grupo Aster, principalmente com os seus membros fundadores. Além de muitos o terem conhecido pessoalmente, alguns trabalharam com ele e foram amigos do velho astrônomo. Esses encontros e interações tiveram a Astronomia como tribo e terreno comum.
Romildo desempenhou papel significativo na área de ensino e divulgação de Astronomia. Seu nome está entre os milhares de verbetes do “Dicionário Enciclopédico de Astronomia e Astronáutica” do astrônomo Ronaldo Rogério de Freitas Mourão, publicado pela última vez pela Editora Nova Fronteira.
Romildo construiu, ao longo de quase quatro décadas, uma carreira de muito sucesso na área de Astronomia, principalmente nas regiões de São Paulo (SP) e Campinas (SP). Apaixonado pelo céu e seus encantos desde criança no interior de Minas Gerais, quando dizia ter tido um céu único, muito escuro e maravilhoso só para ele, Romildo, em suas aulas, palestras ou conversas informais, cativava qualquer um com o seu jeito sereno e pausado de falar, que chamava atenção pela erudição e o enorme conhecimento que possuía de Astronomia. Suas aulas e palestras, conduzidas por olhar forte e seguro que beirava a arrogância, ganhavam e prendiam a atenção do público facilmente...
O velho astrônomo nasceu no dia 30 de novembro de 1952, numa cidade do interior de Minas Gerais, Manhuaçu, próximo à Serra do Caparaó e distante cerca de 290 quilômetros a leste da capital mineira, Belo Horizonte (MG). Lá ele passou sua infância e adolescência. Lá ele conheceu a sua primeira esposa, Zezé, com quem teve uma filha. A região de Manhuaçu, antes ocupada por índios tupis e cujo nome é de origem tupi e significa “chuva grande”, é uma cidade com cerca de 80 mil habitantes e que surgiu como núcleo urbano em meados do século XIX.
Na década de 1970, Romildo mudou-se para São Paulo (SP). Estudou Física e Matemática na Universidade de São Paulo (USP) e iniciou sua carreira na Astronomia em 1972. Nesse ano, em São Paulo, trabalhou no Planetário do Ibirapuera e na Escola Municipal de Astrofísica de São Paulo.
Foi no Ibirapuera que Romildo conheceu o também professor e astrônomo Renato Oliveira, a quem considerava um grande amigo. A admiração e o sentimento por parte de Renato Oliveira sempre foram recíprocos. Renato, em uma última homenagem, escreveu que nunca tivera um amigo tão leal e tão importante quanto Romildo, e que sua morte representava a morte de parte de si mesmo...
Depois de sua experiência no Planetário do Ibirapuera, um ano depois, Romildo saiu de São Paulo. Trabalhou no Observatório Abrahão de Moraes do IAG-USP, em Valinhos (SP), de 1973 a 1981. Em Campinas (SP), foi um dos fundadores do Observatório Municipal de Campinas Jean Nicollini, onde trabalhou de 1977 a 1980. O Observatório Municipal de Campinas Jean Nicollini, fundado em 1977, funciona no mesmo espaço do Observatório de Capricórnio, fundado em 1948.
Foi em Campinas que Romildo iniciou um longo e importante período de sua vida. No Observatório Municipal Jean Nicollini, localizado no Pico das Cabras no distrito de Joaquim Egídio em Campinas, Romildo conviveu com outros importantes nomes da Astronomia nacional, como o próprio Jean Nicollini, Nelson Travnik, Orlando Rodrigues Ferreira, Alexandre Perroni e Júlio Lobo.
Entre 1980 e 1983 foi professor e diretor de Astronomia do Centro de Ciências, Letras e Artes de Campinas. Lecionou de 1984 a 1986 nos Colégios Oswald de Andrade e Logos em São Paulo (SP), onde foi professor de Metodologia da Ciência, Física e Astronomia e, em 1994, foi professor de Ciências no Colégio Sagrado Coração de Jesus em Campinas (SP).
Romildo era bastante carismático e sabia se expressar muito bem. Inúmeras vezes ele foi procurado pela imprensa para depoimentos referentes à Astronomia. Bastava ter um eclipse ou um cometa visível a olho nu no céu e lá estava Romildo falando para a imprensa. Também foi consultor do Ministério da Educação e Cultura (MEC) para ajudar na formulação dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o tema Astronomia na área de Ciências.
Além de ser um dos fundadores do Planetário de Campinas do Museu Dinâmico de Ciências de Campinas (MDCC), foi também coordenador e consultor de 1987, ano de sua inauguração, até 2008, quando se aposentou. Mesmo aposentado, Romildo ainda prestou consultoria e ajudou nas atividades do Planetário de Campinas, gravando por exemplo, as quatro sessões do planetário, uma para cada estação do ano. Lá ele conviveu e trabalhou com alguns importantes nomes da Astronomia de Campinas como Cláudio Corsini, Carlos Mariano (Carlinhos), Michel Paschini, Messias Fidêncio, Fábio Pires e Ronaldo Pedrão, esse último o idealizador do nosso Grupo Aster, criado entre maio e junho de 2004.
Colaborou, juntamente com Michel Paschini e Vitorio Zago, com a Sociedade Brasileira Para o Ensino da Astronomia (SBEA) de São Paulo (SP), fundada em 1987 e coordenada por Walmir Tomazi Cardoso, outro grande amigo de Romildo. Nessa época, a SBEA publicava o boletim “Astronomia Novae” (antigo “Sbea Novae”).
Trabalhando no Planetário de Campinas, Romildo participou por anos do Clube de Astronomia de Campinas (CAC), que se extinguiu em 1995. Reunindo seus alunos dos inúmeros cursos ministrados por ele no Planetário de Campinas, em 1996, Romildo criou a Associação Brasileira de Amigos do Planetário e da Astronomia (ABRAPA), que depois passou a se chamar Associação de Amigos do Planetário de Campinas (AAPC). Pela AAPC, editou ao lado de Vitorio Zago, um boletim de Astronomia, o “Scorpius”, e sempre lembrava com carinho de uma excursão que o grupo fizera à cidade de Atibaia (SP), ao Radiotelescópio de Itapetinga, no pé da montanha, onde está a famosa Pedra Grande. No final do passeio, o grupo foi a uma cantina italiana no centro da cidade de Atibaia.
Esses grupos serviram de inspiração para Fábio Máximo, Felipe Máximo, Messias Fidêncio, Fábio Pires, Ronaldo Pedrão e Vitorio Zago, fundarem em 1999, no Planetário de Campinas, o Grupo de Astronomia Aglomerado Aberto (GA3), ativo até hoje. Romildo chegou a colaborar com o GA3 e o Aster.
Em 1996, realizou-se no Planetário de Campinas o I Encontro Brasileiro de Ensino de Astronomia, coordenado por Romildo. Foi nesse encontro que se fundou a Associação Brasileira de Planetários (ABP), em que Romildo foi diretor-presidente de 1996 a 2000. Nesse mesmo período, foi também diretor-administrativo da Organização Ibero-Americana de Planetários (OIP).
Após colaborar com o Planetário de Campinas gravando as sessões para as estações do ano, Romildo ingressou em um novo projeto que o levou, em 26 de dezembro de 2008, à cidade de Parnamirim (RN), localizada a apenas 14 quilômetros da capital potiguar, Natal (RN). Nesse projeto ele auxiliou o amigo Carlos Mariano na instalação de um planetário na cidade. Nessa época, Romildo vivia desde 2001 com sua segunda esposa, Lena, com quem tinha dois filhos pequenos, Vinícius e Helena.
O planetário era um modelo do Sphaera Planetaria, empresa produtora de planetários de Carlos Mariano. E Romildo, após ajudá-lo na instalação do planetário, sendo consultor técnico do projeto, passaria a ser o responsável por ele. Em 1o de abril de 2009, Romildo foi contratado oficialmente pela prefeitura da cidade e começou a trabalhar no Planetário de Parnamirim, coordenando as atividades.
Romildo participou ativamente, ora com consultoria ora ajudando mesmo em muitos momentos, do “Aster Domus Planetarium” e do “Sphaera Planetária”, duas empresas pioneiras e produtoras de planetários, as duas primeiras do Brasil.
Mas, em 17 de abril de 2009, sofreu um AVC (Acidente Vascular Cerebral) e foi submetido imediatamente à uma cirurgia. Porém, dias depois, ele foi vítima de uma pneumonia, fruto de complicações da cirurgia que tivera, e faleceu no dia 21 de abril por volta de 12h30 no hospital Walfredo Gurgel de Natal (RN), onde estivera internado por dias. Foi velado e sepultado em Manhuaçu.
Romildo iria coordenar o Planetário de Parnamirim e estava muito feliz por isso. Já fazia planos para morar em definitivo na quente cidade do Rio Grande do Norte. Meses antes, através de e-mail, chegou a comentar comigoque eles não iriam mais se ver tão facilmente, pois agora estaria morando longe, perto de Natal (RN), num “pequeno paraíso”, como descreveu. Comentou com certo deboche. Estava muito feliz com essa nova etapa de sua vida. Chegou a me convidar para que lhe fizesse uma visita após a inauguração do Planetário. Nunca pude ir e nunca mais o viu, o que lamenta profundamente...
Romildo também foi escritor, atividade que gostava muito de praticar. Além de inúmeros artigos para revistas, jornais e boletins, ele escreveu alguns livros. Suas obras: “Fundamentos de Astronomia” (Papirus, 1982); “Halley, Viajante do Universo” (Nova Stella, 1985); “Astronomia a Olho Nu” (Brasiliense, 1986); “Olhando Para o Céu” (1987); “Maravilhas do Céu Estrelado” (1988); “Cartilha Astronômica” (FAC, 1991); “Visão Para o Universo” (Ática, 1991); “Iniciação à Astronomia” (Ática, 2004).
Boêmio convicto, Romildo, que adorava frequentar bares com os amigos para conversas e confraternizações informais, deixou além do sorriso do velho astrônomo, regado à simpatia e uma língua ferina, quando instigada, a saudade para aqueles que conviveram com ele e que aprenderam muita coisa, além das estrelas.
Esse que aqui escreve, talvez um professor nada brilhante, sempre teve em Romildo uma grande inspiração para a profissão do magistério. E ainda tem. Levantando meu copo de cerveja e, num último brinde, deixo a minha sincera gratidão e o sorriso ao amigo e velho astrônomo... ao mestre com carinho...
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