14 de jun. de 2024
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A s t e r
New Horizons chega a seu destino e revela imagens inéditas de Plutão

por Vitorio L. O. Zago
A sonda espacial New Horizons, depois de 9,5 anos de viagem, chegou ao seu destino, o longínquo planeta anão Plutão, dia 14 julho, às 8h25 de Brasília. Neste momento, Plutão está a quase 5 bilhões de quilômetros de nós ou do Sol. Bem, considerando essa imensa distância, os 150 milhões de quilômetros ou 1 UA (Unidade Astronômica) entre o Sol e a Terra são desprezíveis, pois a distância de Plutão é cerca de 50 vezes a distância entre nós e nossa estrela, o Sol. Plutão pode chegar até 7,5 bilhões de quilômetros em função de sua órbita elíptica, oval, que tem grande excentricidade, o que na prática significa que ele se aproxima do Sol e depois se afasta bastante. A órbita da Terra também é uma elipse, de pouca excentricidade, quando observada de longe é quase uma circunferência.
A New Horizons sobrevoou Plutão 12,5 mil quilômetros da superfície. Por enquanto, a Sonda enviou apenas imagens de baixa resolução. A grande quantidade de dados, que começou a ser enviados para a Terra ainda esse mês, só estará completa em novembro de 2016!
A New Horizons perdeu contato com a Terra horas antes da aproximação, desligando o instrumentos de comunicação, para concentrar seus recursos na coleta de dados e imagens de Plutão. Esse silêncio durou 22 horas e causou certo receio à equipe da NASA em Terra. Mas quando a sonda capturou os dados planejados e retornou sinal para a Terra, muitos aplausos ecoaram pelo ambiente. Uma enxurrada de mensagens de congratulações começaram a chegar para a equipe, entre elas a do físico inglês Stephen Hawking, que sempre manifestou grande interesse pela astronavegação e conquista espacial.
Hawking é ardoroso fã de ficção científica, em especial da série de TV Star Trek (Jornada nas Estrelas), da quel chegou a participar de um episódio da Nova Geração em 1993, “Descent - Part I” (“Queda – Parte I”), o último episódio da sexta de sete temporadas dessa geração de Star Trek, em que interpretou a si mesmo, ao lado de atores que interpretaram Isaac Newton e Albert Einstein.

Concepção artística mostrando a sonda New Horizons aproximando-se de Plutão
Até hoje, as melhores imagens disponíveis de Plutão, haviam sido obtidas pelo Telescópio Espacial Hubble, em órbita da Terra, eram borradas e sem nitidez, e pela própria New Horizons, em sua aproximação nos últimos meses. As imagens enviadas pela New Horizons tem mil vezes mais nitidez que as melhores do Hubble.
Quando as primeiras fotografias chegaram, Plutão revelou uma surpresa, ele tinha um... coração! Uma enorme área,
aparentemente homogênea da superfície de Plutão, que com igual imaginação e poesia, pode também ser interpretada como uma ave com as asas abertas. Interpretações que podem enriquecer toda uma nova mitologia sobre esse distante mundo.
As câmeras da sonda New Horizons são extremamente potentes e capazes de observar com detalhes a cidade de Holambra ou o Parque Portugal (Lagoa do Taquaral) em Campinas a 12 mil km de altura ou distância.
Podemos fazer uma analogia desse sobrevoo da New Horizons, imaginando-a do tamanho de um micróbio. Esse micróbio realiza uma viagem de Campinas até o Rio de Janeiro, percorrendo quase 500 quilômetros. Ao chegar ao seu destino, o sobrevoo dessa "micro sonda" ocorre à distância de um metro de uma bola de futsal. Essa foi a aventura da sonda espacial da NASA.
A New Horizons tem uma massa de 478 quilos e uma largura de 2,7 metros, altura de 0,7 metros e comprimento de 2,1 metros (tamanho da antena) e custou US$ 720 milhões. É a sonda mais rápida já construída, chegando a 58 mil quilômetros por hora! Em nove horas, a New Horizons cruzou a órbita da Lua, o que as missões Apollo, levaram de 2 a 3 dias para fazer, nas décadas de 1960 e 1970,! A sonda foi lançada ao espaço em 19 de janeiro de 2006, pelo foguete Atlas V, do Cabo Canaveral na Flórida, Estados Unidos. Foram quase nove anos e meio de viagem!
Em seu longo percurso, a New Horizons passou bem perto de Júpiter, em 28 de fevereiro de 2007, onde exercitou seus sistemas e instrumentos, posicionando-se para ganhar um planejado impulso gravitacional, atingindo por um tempo curto a velocidade espetacular de 83 mil km por hora, fazendo a sonda economizar cerca de 3 anos e 8 meses de viagem. Esse impulso garantiu à sonda chegar mais rápido a Plutão, pois levaria cerca de 14 anos sem esse impulso. Por outro lado, a sonda passou pelo planeta anão a uma velocidade maior também e por um tempo menor.
Após passar por Júpiter, a New Horizons entrou num estado de hibernação por 7 anos, ou seja, cerca de dois terços de sua viagem, “acordando” algumas poucas vezes nesse tempo para um sinal de “oi”. Ela passou também pelas órbitas de Saturno em 8 de junho de 2008 (sua maior aproximação ao planeta dos gigantes anéis), de Urano em 18 de março de 2011 e de Netuno em 25 de agosto de 2014. E em 6 de dezembro de 2014, foi despertada da hibernação, quando então começou a mirar e observar Plutão, ainda muito distante, com imagens ainda pouco definidas.
Além das imagens, a sonda estudou a fina e peculiar atmosfera, sua geologia e a ação do vento solar em Plutão. Conseguiu imagens detalhadas da superfície, com cordilheiras de montanhas com cerca de 3,5 mil metros de altura.
A New Horizons coletou uma enorme quantidade de dados, que levarão cerca de um ano para serem analisados. Mesmo à velocidade da luz, o tempo de chegada dos dados à Terra via rádio é de 4h25min e a sonda coletou cem vezes mais dados do que poderia enviar de uma vez. Assim, a sonda cumpriu apenas a primeira parte da missão: chegar à chegar a Plutã. A missão continuará com o envio de 'toneladas' dados à Terra durante os próximos 17 meses, e por isso, os estudos sobre Plutão, um mundo muito distante sobre o qual ainda sabemos muito pouco, estão só começando!
Apesar do pequeno tamanho, o sistema de Plutão é bastante complexo e rico em atividades físicas e químicas. Por estar tão longe do Sol, a temperatura de Plutão é em torno de -230 graus celsius, podendo variar cerca de 10 graus para cima ou para baixo, dependendo de seu momento em sua órbita que se completa a cada 248 anos terrestres. Temperatura que aproxima-se do zero absoluto, -273,15 graus celsius ou 0 kelvin. É tão frio que sua fina atmosfera, composta por nitrogênio e metano, produz flocos de neve de nitrogênio que cobrem parte da superfície.
Plutão possui 5 satélites conhecidos, 4 bem pequenos. O maior deles é Caronte, descoberto em 1978. Os pequenos foram descobertos recentemente, Hidra e Nix em 2005, Estige em 2011 e Cérbero em 2012. Caronte é, sem dúvida, o mais interessante, pois tem quase a metade do diâmetro de Plutão, que é de 1207 quilômetros. Plutão tem 2730 quilômetros, ou seja, cerca de dois terços do tamanho da Lua. Diferente de Plutão, Caronte não tem atmosfera e provavelmente perdeu seus gases há muito tempo.
Devido à relação de tamanho, muitos astrônomos consideraram Plutão-Caronte não como planeta anão-lua, mas como um sistema duplo. Os dois corpos giram em torno do centro de massa que fica entre os dois, acima da superfície de Plutão.
O Sol tem cerca de 99,8% da massa de todo o Sistema Solar, o que faz com que todos os corpos girem basicamente ao redor dele, já que o centro de massa se localiza praticamente no centro do Sol, que também gira ao redor do centro de massa do Sistema Solar. No caso do sistema Terra-Lua, a Terra é bem maior que a Lua, o centro de massa se encontra também no núcleo do nosso planeta, mas não tão no centro. A Terra e a Lua giram ao redor desse centro de massa do sistema Terra-Lua, ou basicamente podemos dizer que a Lua gira ao redor da Terra.
Plutão tem sua órbita ao redor do Sol bem inclinada em relação ao plano de órbitas dos planetas, e além disso, tem o seu eixo de rotação também inclinado, ou seja, dependendo da posição em sua órbita, os polos apontam para o Sol.
Urano também se apresenta assim inclinado, com seus polos voltados para o Sol e o equador e o plano das órbitas de seus satélites praticamente perpendiculares ao plano das órbita dos planetas. Ou seja, o eixo de rotação de Urano é inclinado e quase coincide com o plano de translação do planeta.

Superfície de Plutão

Clyde Tombaugh
Plutão foi descoberto em 1930 pelo norte-americano Clyde Tombaugh (04/02/1906-17/01/1997), filho de um fazendeiro do Kansas, Estados Unidos. Naquela época havia uma corrida entre os astrônomos para se descobrir um outro planeta gigante como Urano e Netuno, numa tentativa de explicar as relações gravitacionais dos corpos do Sistema Solar naquela região. Não se descobriu nenhum gigante, e essas relações só foram explicadas mais tarde, mas o saldo foi a descoberta desse distante objeto, que por isso mesmo recebeu o nome de Plutão, o nome romano para o deus grego Hades, o senhor do “Mundo Inferior” ou da “Terra dos Mortos”. Alguns interpretam como sendo o “Inferno”, mas essa interpretação é mais uma visão distorcida do Cristianismo com relação à mitologia grega, que não se referia a diabos ou demônios ou infernos exatamente, como faz a mitologia cristã.
Foi para esse distante mundo gelado que a sonda New Horizons se aventurou. Há alguns anos sugeriu-se que Plutão, embora um dos maiores objetos transnetunianos no Cinturão de Kuiper, não fosse, realmente, o maior. A medição exata do diâmetro de Plutão foi feita pela New Horizons. Além da medição, ela fez algumas fotos horas antes de desligar os instrumentos que a mantinham em contato com a Terra. Nesse momento, ela também calculou, com precisão, a densidade de Plutão - valor que também gerava dúvidas - e descobriu que ele é, de fato, cerca de dois quilômetros maior do que se supunha.
Suspeitava-se que o planeta-anão Eris fosse maior. Descoberto em 2005 e chamado por algum tempo de Xena, Eris era mais brilhante que Plutão em alguns momentos. Hoje estima-se que ele tenha cerca de 2238 km de diâmetro, sendo menor que Plutão. Assim, podemos dizer que Plutão é o maior corpo dessa distante e remota região do Sistema Solar. Aliás Eris, nome da deusa grega da discórdia, tem muito a ver com a nova classificação de Plutão de planeta para planeta-anão. O nome Eris foi escolhido inclusive para refletir a discórdia gerada nesse processo.
A descoberta de Eris levou a toda uma discussão sobre planetas e de como conceituá-los. Pois quando se descobriu mais sobre o Cinturão de Kuiper e sobre Eris, imaginou-se que existissem muitos outros 'Plutões' e corpos maiores que ele, como se acreditou que Eris fosse. Assim, uma das pautas da assembleia ou encontro da UAI (União Astronômica Internacional), realizado em 2006 em Praga, na República Tcheca, era definir um novo conceito para planetas.
Um dos critérios definidos pelos astrônomos no encontro, era ser “dono de sua órbita” ou de “varrer sua órbita”, sem interferência direta de outros corpos. Plutão não se encaixava, até por estar em meio a muitos outros objetos similares a ele na mesma região. Hoje são conhecidos cinco planetas anões. Além de Plutão, Ceres no Cinturão de Asteroides entre Marte e Júpiter e, Haumea, Makemake e Eris, todos objetos do Cinturão de Kuiper. Mas essa redefinição é bastante ambígua para muitos astrônomos, para quem Plutão continua sendo um planeta, não só pela tradição histórica na Astronomia do século XX, mas também por possuir atmosfera e estações do ano.
Entre os “nove” planetas do Sistema Solar, apenas Plutão não havia ainda sido visitado por sondas terrestres. Oito missões foram envidas ao Sol, para estuda-lo à uma distância adequada. Mercúrio recebeu duas visitas, a primeira foi a Mariner 10, em 1973. Para Vênus enviamos 40 missões e a primeira foi a Mariner 2 em 1962. O planeta vermelho, Marte, provável colônia terrestre num futuro bem próximo, foi visitado 38 vezes e a primeira sonda a chegar lá foi a Mariner 4 em 1965. Os gigantes gasosos também foram visitados: Júpiter, 8 vezes, a primeira em 1973 com a Pioneer 10; Saturno, 5 vezes, a primeira em 1979 com a Pioneer 11; Urano, 1 vez, em 1985 com a Voyager 2; e Netuno, 1 vez também e com a mesma Voyager 2, em 1989. Até os cometas Halley e Churyumov-Gerasimenko foram visitados por sondas, sendo que para o segundo a viagem durou 10 anos e a sonda da missão Rosetta ainda pousou em sua superfície recentemente. Bem... agora chegamos à Plutão também...
Após passar por Plutão, a New Horizons irá viajar pelo Cinturão de Kuiper, disco com cerca de 35 mil objetos. Nessa distante e remota região, a NASA tentará direcioná-la para mais um objeto transnetuniano. Espera-se que ela passe perto de pelo mais um objeto dessa região e que o pesquise, colete dados. A NASA imagina que isso possa ocorrer até 2020. Em 2030 sua bateria deve acabar e depois irá rumar para fora do Sistema Solar.
Algumas sondas terrestres já foram ainda mais longe, mas não passaram perto de Plutão. É caso das sondas Pioneer e Voyager. As sondas Pioneers 10 e 11 estão hoje a cerca de 15 bilhões de quilômetros do Sol e daqui mais ou menos 15 mil anos irão passar pela Nuvem de Oort, uma esfera constituída de cometas localizada no limite do Sistema Solar, na saída, a cerca de 20 trilhões de quilômetros do Sol. Já as Voyagers 1 e 2, que antes da sonda New Horizons eram as sondas mais rápidas construídas pelo homem, estão ainda mais longe, cerca de 20 bilhões de quilômetros do Sol, e levarão cerca de 10 mil anos para sair do Sistema Solar. A New Horizons, que chegou a atingir 58 mil quilômetros por hora, hoje está a uma velocidade de 50 mil quilômetros por hora.

Disco da Voyager com informações da Terra e de seus habitantes.

Todas essas sondas serão nossos desbravadores para além do Sistema Solar. Todas elas devem perder contato com a Terra por volta de 2030, mas por enquanto ainda emitem tênues sinais de vida. Cada uma das Voyagers carrega consigo um disco dourado intitulado “Sons da Terra”, cujo conteúdo foi elaborado por uma equipe ou comitê de cientistas da NASA de diversas áreas, chefiada e com a participação entre outros do astrônomo estadunidense Carl Sagan (09/11/1934-20-12-1996) e de sua esposa, a escritora e produtora Ann Druyan (13/06/1949-) com imagens e sons sobre de nosso planeta. Talvez num futuro muito distante, quando a Terra talvez não abrigue mais vida ou mesmo não exista mais, algum ser inteligente e senciente encontre nossas sondas, nos conheça e tenha consciência de que a humanidade existiu e que viajou pelo espaço como eles talvez estejam fazendo...
Carl Sagan
Vitorio L. O. Zago
É professor, trabalha no Observatório Edmund Halley e é membro do Grupo Aster de Astronomia.
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